‘Coaching’ ganha cada vez mais adeptos e segmentos
- 08
- Jul
Com definição ampla e sem regulação, atividade cresceu quase 300% no Brasil em quatro anos
Em um ambiente de paredes claras, decoração esparsa e iluminação suave, um sujeito em pé fala para outros cinco, sentados. Ele veste camisa, calça e sapatos sociais; eles têm coturnos, roupas escuras e penteados estilosos, além de muitos acessórios e tatuagens. Usando uma TV, o palestrante aponta para quatro fotos de animais, símbolos de perfis psicológicos revelados por um teste.
— A águia cria. O tubarão age. O golfinho sente. O lobo pensa. Um tipo tende a predominar, mas temos um pouco de cada — resume João Borba.
— Vou buscar o tubarão dentro de mim — diz o baixista Michel Harley, recebendo aprovação do baterista Rapha e do guitarrista Junior (seus filhos), bem como do também guitarrista Rick Zena e do vocalista Fabricio St. James.
Postos e nomes artísticos dão a dica: o quinteto é um grupo de rock, o Half Lore. Há dois meses, João Borba é seu coach.
Mas o que faz um coach? E o que faz uma banda com um coach? Cada caso é um caso, como você vai ver nas próximas páginas. No original em inglês, coach é o treinador de uma equipe esportiva — exemplo: até o fechamento desta edição, Dunga era o coach da seleção brasileira. Aos poucos, o termo passou a ser usado nos Estados Unidos (onde mais?!) para denominar orientadores do setor corporativo e também tutores de “pessoas físicas” em busca de metas pessoais.
O que nos deixa com uma definição ampla: coach é um instrutor que ajuda um cliente a evoluir em alguma área da vida. O caso clássico é o do executivo que busca redirecionar sua carreira, mas pode ser também o de um sedentário buscando perder peso, um procrastinador cansado de adiar projetos, um atleta sonhando com uma medalha ou uma banda de rock tentando entrar no ritmo.
Estes objetivos variados são trabalhados em sessões estruturadas que costumam durar de três a seis meses — diferentemente da psicanálise e da terapia tradicionais, em que o fim está em aberto, combina-se um prazo para atingir resultados. O processo caminha com exercícios de autoconhecimento como o citado na abertura do texto. O leitor cético pode ter ressalvas, mas o coach João Borba garante que saber “que bicho você é” revela muito sobre a dinâmica dos indivíduos em um grupo.
Um coach tem à sua disposição metodologias, técnicas e ferramentas variadas. Variadas mesmo: a atividade não é regulamentada, ou seja, não existe um órgão oficial que diga o que é coaching e quem pode praticá-lo (ver glossário na página 34). Independentemente disso (ou por causa disso) a profissão vive um boom no mundo e no Brasil. Segundo a International Coaching Federation (ICF), o número de brasileiros com formação na área passou de sete mil em 2012 para 25 mil em 2015, e a previsão é de que a expansão continue acelerada.
Detalhe: na conta dos 25 mil coaches, cabem perfis bem variados. Há gente com milhares (literalmente) de horas de experiência e várias especializações. Há celebridades do setor que assinam best-sellers e lotam eventos, como Paula Abreu, que no primeiro fim de semana de junho comandou o evento Detox de Dinheiro no hotel JW Marriott, em Copacabana. Há treinadores de equipes e quem prefira atendimentos individuais, gente que trabalhou muitos anos na administração de grandes empresas e outros que vêm de uma formação em ciências humanas. E há uma parcela crescente que faz um curso rápido, pega um diploma e sai dizendo que é coach. Nada os impede, o que leva alguns veteranos a contrariar a moda e abandonar o termo.
O chef do Midori Restaurante, no Centro, Rodrigo Schweitzer, usa somente sua experiência pessoal como base para atuar como coach de alimentação. Após levar um fora de uma namorada, emagreceu 30 quilos em sete meses. E o mais importante: dois anos depois, não voltou a engordar.
— Quando a gente estava terminando, a minha ex virou para mim e disse: “Você é um gordo de 40 anos que nunca vai emagrecer.” Foi quando eu decidi mudar minha alimentação e fazer exercícios. Quando eu fraquejava, aquela frase voltava e era um motivo para continuar — conta Rodrigo, que, já magro e malhado, venceu este ano a competição do programa “Hell’s Kitchen”, do SBT.
Assim que começou a perder peso, Rodrigo conta que passou a prestar uma espécie de consultoria para amigos e conhecidos. Aos poucos, a informalidade se profissionalizou. Hoje, tem até uma equipe de profissionais parceiros (nutricionista, ortomolecular, preparador físico) que indica para seus clientes.
— Já emagreci umas 150 pessoas. No meu programa, avalio se a pessoa tem foco, aí dou a direção. Estou magro, mas sempre fui gordo. Sei como cabeça de gordo funciona — afirma Rodrigo, que diz estar disponível “24 horas” no WhatsApp para que clientes como Michelle Moreira não caiam em tentação (ela já perdeu oito quilos e quer se livrar de mais quatro).
Se um coach de alimentação sem formação em coaching causa estranheza, está dentro do padrão que o coach de uma banda não entenda de música. Como João Borba explica, o que lhe interessa na Half Lore são as relações pessoais:
— Confesso que de bate-pronto eu posso até confundir o instrumento de cada um. Quem sabe do som deles são eles. O que eu posso ajudar é no processo de reconhecimento de crenças e valores.
Quem indicou João para os roqueiros foi a mulher do líder do grupo, Michel, ex-aluna de João no Instituto Internacional Japonês de Coaching. Além da desconfiança inicial, o coach precisou encarar um trauma: o grupo tinha sido dispensado do programa “SuperStar”, da TV Globo, ainda no processo de seleção.
Após dez anos de muita estrada e pouca recompensa, a Half Lore era uma banda em conflito.
— O João evitou que a gente matasse uns aos outros — brinca o vocalista St. James.
— A pergunta era: “O que um coach pode acrescentar?” — recorda o baterista Rapha. — O cara tem cliente empresário, concurseiro, atleta, gente regrada, com horário, vida certinha, alimentação saudável, e a gente... A gente é o oposto, faz tudo errado. Mas ele respeitou nossa personalidade.
Vencida a resistência inicial, João tem aplicado conceitos japoneses como o kaizen (melhoria contínua) e o ganbatte (algo como “dê o máximo de si”) para ajudar a banda a buscar seus objetivos, do mais simples (não acabar) ao mais complexo (fazer sucesso). Formado também em Psicologia, ele fala sobre outros clientes:
— A evolução é para todos. Atendo músicos e artistas, mas também executivos, empresas. O criativo e o corporativo podem ter foco na carreira.
Quando o coaching desembarcou no Brasil, nos anos 1990, foi de terno e gravata. Com a virada do século, grandes empresas sentiram necessidade de treinar seus funcionários em habilidades como comunicação, resiliência, motivação, inteligência emocional, gestão de tempo e, de quebra, encurtar o tempo de realização de projetos.
Surfando na onda “coachizadora”, surgiram escolas como a Sociedade Latino-Americana de Coaching (SLAC), a Sociedadade Brasileira de Coaching (SBC) e o Instituto Brasileiro de Coaching (IBC). Com sede em São Paulo e filiais pelo Brasil, os três são os principais players do mercado.
Estela Fernandes, da SBC, explica que, com clientes corporativos, não há tempo a perder, e as metas são claras:
— O que queremos de um grupo ou de um líder é aumentar a performance, maximizar o engajamento, focar nos resultados — diz a coach. — Ao longo dos encontros, você nunca pergunta “como está a tarefa?”, porque isso dá margem para desculpas. Melhor é dizer: “Como está o resultado da tarefa?”, o que força uma resposta clara. A melhor ferramenta do coach é a pergunta. O presidente do IBC, José Roberto Marques, diz que deu uma certa tropicalizada dos conceitos gringos.
— Fiz minhas especializações e as adaptei, criando diversas ferramentas de acordo com nosso povo, mais emocional e menos racional que o americano médio — diz José, que vê com bons olhos o surgimento de coaches especialistas. — Acredito que seja muito importante essa segmentação, pois o coach atuará naquela área em que ele tem mais conhecimento e estará sempre se aprimorando.
Cibele Nardi, de Curitiba, além de dar conta do coaching “normal”, recentemente passou a chamar atenção de seus clientes para a postura nas redes sociais, observada pelas empresas e por ela também:
— Um dos conceitos básicos para quem quer deslanchar na carreira é a construção de imagem. Não adianta desenvolver competências e ir no Facebook comemorar que chegou a sexta-feira, reclamar que está de ressaca. Que imagem você quer construir?
Se há um setor em que a construção de imagem é levada a sério, é a moda. Não por acaso, a Associação Brasileira de Profissionais da Moda (ABPModa) oferece serviços de coaching para os profissionais do setor. O coach Eduardo Martins, parceiro da ABPmoda, diz:
— É um público muito acostumado a reconhecer os diferenciais da marca A para a marca B. Então eu coloco o seguinte: o que vale para a marca vale para a pessoa também. Quem está ingressando nesse mercado competitivo, seja na parte criativa, nos bastidores, como autônomo, dentro de uma equipe, precisa se conhecer. Quais benefícios você gera para os outros? Por que eles pagariam pelo seu trabalho?
Como vida pessoal e profissional costumam estar relacionadas, uma extensão natural da atividade foi o surgimento do life coach, ou seja, um coach para cuidar da sua vida. É nesse nicho que coaching e psicanálise parecem se esbarrar, mas a maioria dos especialistas garante que os dois não se misturam: enquanto o terapeuta tende a escarafunchar o passado, o foco do coach é do presente para o futuro.
A life coach americana Elizabeth Koosed, autora do “Manual da mulher solteira”, fala sobre suas fãs:
— Acredito que as mulheres são as que mais têm a se beneficiar do life coaching, pois infelizmente muitas delas deixam que seu valor seja determinado pelos parceiros. Posso ajudá-las a se verem sob uma nova luz, que as leva a escolhas rumo a uma vida mais feliz.
Surgido no esporte, o coaching retorna a ele para tratar não de esquemas táticos, mas da cabeça dos atletas. Paulo Vieira está fazendo o que pode para levar a dupla de vôlei de praia Larissa e Talita à medalha de ouro na Rio 2016:
— Não vou ensinar a jogar vôlei, mexo com as crenças. Elas hoje se veem como vencedoras, capazes de chegar lá e merecedoras da medalha de ouro.
Diferentemente do chef e coach autodidata Rodrigo Schweitzer, a partir de certo ponto da carreira, a médica nutróloga Liliane Oppermann sentiu necessidade de procurar uma formação em coaching para ajudar seus clientes a emagrecer. Os cursos a ajudaram a ter uma visão global, mas, para dar conta do entendimento, ela trouxe para dentro de sua clínica uma especialista: Regiane Silva, que, após 12 anos no mercado financeiro, há oito anos se especializou em coaching com programação neurolinguística. Regiane fala a respeito:
— Tenho facilidade para acessar as informações do meu cliente e faço com que eles as ressignifiquem. Teve uma mulher que acreditava que precisa esvaziar o prato mesmo que já estivesse satisfeita. Na terapia, isso envolveria perdoar o pai, a mãe. No coach, o objetivo é fazer a pessoa dizer: tenho 40 anos, vou comer o que me satisfaz. É simples assim? Sim, é simples assim.
A crença nos poderes dos coaches não enche só consultórios, mas auditórios. Privilégio dos coaches mais conhecidos, que lançam best-sellers, bombam no Youtube e trocam os atendimentos individuais por eventos reunindo centenas de pessoas para um fim de semana de imersão total.
Paula Abreu é uma dessas “coaches celebridade”. No fim de semana passado, ela realizou em um hotel de Copacabana o evento Detox de Dinheiro, voltado a quem tem dificuldade em lidar com o vil metal. Paula conta que preferiu fazer algo menor do que está acostumada, para 250 pessoas, e “reunir minha turma”.
— É gente que me acompanha desde o início, faz meus cursos, lê meus livros — diz Paula, que, enquanto instruía o público como separar o que é “tosco”, “oquei” e “vip” na vida, chamava membros da plateia por nome, sobrenome e procedência.
A linha de Paula combina técnicas ortodoxas de coach com um viés mais místico. Um dos livros que ela recomenda, por exemplo, é “As sete leis espirituais do sucesso”, de Deepak Chopra, guru indiano que mistura medicina alternativa com física quântica. Mas até que nem tão esotérica assim: com um jeito descontraído e desbocado que lembra a Tatá Werneck, ela transforma a sessão de coaching em stand-up comedy. A galera delira, faz a hola de uma parede a outra e “entra na vibe correta” acompanhando Paula no gesto que é sua marca registrada: a mão direita que passa por cima do ombro ao som de “ooooooo vibe!”
— Eu era uma advogada de sucesso, tinha tudo, mas não tinha felicidade. Em 2012, resolvi ser coach e me encontrei. Mas não sou a coach careta, de tailleur e lencinho. Inclusive fiz tatuagens para garantir que não seria novamente contratada por um escritório de advocacia. Deus me livre voltar a ser coxinha!
Tânia Zambon, fundadora do Instituto Tânia Zambon (aliás, uma das duas escolas de coaching no Shopping Downtown, na Barra), detém um recorde brasileiro: maior treinamento de coaching de equipes. Foram 4.068 presentes no evento Celebration Power Life, realizado entre 27 e 28 de setembro de 2014, em Gramado (RS). Tânia foi fisioterapeuta de UTI, onde diz que aprendeu sobre poder da mente ao presenciar recuperações milagrosas. De Orlando, na Flórida, onde foi dar um curso, ela descreve seu método:
— Nesses dias, eu pego essa turma e acontece algo de outro mundo, de arrepiar, é fantástico. Cerca de 90% do curso é oficina, a gente dá as técnicas e eles começam a exercer ali mesmo. Ao longo do ano, quem participou tem um acompanhamento e volta mostrando cases de sucesso — esclarece Tânia, que sonha transformar sua vida em filme com Giovanna Antonelli no seu papel.
Para a psicoterapeuta Cynthia Verri, é preciso cautela com as soluções fáceis que o coaching promete:
— De uma maneira geral, a gente tem que ter cuidado com essas fórmulas instantâneas. Somos seres complexos, com problemas complexos, que nem sempre vão se resolver rapidamente graças à última tendência.
Andrea Deis, coach com mais de 15 mil horas de atendimento e palestras no currículo, teme por sua profissão:
— Todo mundo que fica no ócio hoje em dia quer ser coach. A coisa está se vulgarizando. O cara sem nenhum talento para a coisa faz um curso de fim de semana e acha que pode dominar o mundo. Por isso, logo vou preferir ser chamada de gestora de carreiras.
(Fonte: O Globo)